Essa semana em ar e espaço: explosão de satélite russo e a estação espacial

A Estação Espacial Internacional (ISS). Créditos; NASA

Como esta foi a grande notícia da semana, vai ser o único assunto que vamos discutir nesta postagem e será em mais detalhes.

A segunda-feira 15 de novembro começou com a notícia de que a tripulação da Estação Espacial Internacional (ISS) teve que tomar medidas de emergência para se proteger de um possível impacto. Os 5 astronautas e 2 cosmonautas foram acordados de madrugada e instruídos a tomar precauções que incluíram fechar muitas das escotilhas que isolam módulos diferentes da estação e se abrigar dentro de duas naves de escape atualmente acopladas à ISS, uma Soyuz e uma Crew Dragon, para estarem prontos para desacoplar e voltar à Terra caso houvesse uma colisão séria. O risco vinha da destruição de um velho satélite russo (originalmente, soviético, o Kosmos-1408), por um míssil russo A-235 Nudol, em um teste de uma arma anti-satélite (ASAT).

A tripulação ficou nas naves por 2 horas, esperando a segunda e terceira passagens da ISS pela nuvem de detritos (aparentemente a informação da destruição do Kosmos-1408 chegou tarde demais para a tripulação se abrigar para a primeira passagem). As aproximações da ISS com a nuvem de fragmentos estavam ocorrendo a cada 47 minutos (não 90, como noticiado), com maior distância a cada passagem, então o controle da missão determinou que após a terceira passagem a tripulação podia retornar à ISS. O dia se passou sem que houvessem impactos, a única conseqüência imediata foi a interrupção das atividades programadas para o dia, inclusive uma interrupção na operação dos instrumentos que observam a Terra que estão acoplados à ISS, como o OCO-3 (Orbiting Carbon Observatory 3, da NASA).

Mas, embora nenhuma colisão tenha ocorrido, este foi um incidente grave. A destruição de um satélite em órbita gera uma nuvem de milhares de fragmentos, que podem no futuro colidir com algum outro satélite ou mesmo nave tripulada. Com as velocidades relativas entre corpos em órbitas diferentes sendo vários quilômetros por segundo, cada fragmento tem muito mais poder destrutivo que uma bala ou grande projétil. Apesar de conter um grande número de erros, o filme Gravidade (2013) dá uma idéia geral do problema.

Muito se fala sobre o problema do acúmulo de lixo espacial – material deixado em órbita, como velhos satélites, estágios de foguetes e peças pequenas que se desprendem durante o lançamento. Estes podem passar décadas em órbita, sendo uma ameaça a todos os outros artefatos em órbita ou lançados da Terra. Por isso, a tendência atual é fazer esforços para diminuir a quantidade de lixo e há monitoramento e rastreio de todos os objetos detectáveis em órbita, para se saber com antecedência e poder evitar colisões. Mas o evento dessa semana foi justamente o oposto: foi criada de propósito e desnecessariamente uma nuvem de milhares fragmentos. A maior ameaça vem dos milhares de fragmentos muito pequenos para serem rastreados, portanto não dá para saber com certeza quando pode haver uma colisão. A pior possibilidade é a chamada síndrome de Kessler, a possibilidade que alguns eventos gerem fragmentos em número suficiente para que haja grande chance de atingirem outros satélites e as colisões com esses outros geram mais fragmentos, em uma cadeia de colisões crescendo exponencialmente, até tornar o espaço em órbita baixa inutilizável.

Nos 2 primeiros dias após a destruição do Kosmos-1408, a empresa LeoLabs já tinha identificado 300 fragmentos e a Força Espacial americana, 1500. Estes são apenas os maiores, mais fáceis de detectar, e é esperado que sejam acompanhados de um número muito maior de fragmentos menores. A análise preliminar da LeoLabs indica que os fragmentos jogados em órbitas mais baixas podem durar por volta de 5 anos, enquanto os jogados para órbitas mais altas podem durar décadas.

O Administrador da NASA, Bill Nelson, emitiu uma declaração condenando o teste. Parte dela diz (em nossa tradução):

Hoje de manhã, devido aos destroços gerados pelo teste destrutivo de arma anti-satélite (ASAT) russa, os astronautas e cosmonautas da ISS recorreram a procedimentos de emergência, por segurança.

Assim como o Secretário de Estado Blinken, eu estou indignado por essa ação irresponsável e desestabilizante. Com sua longa história em vôo espacial tripulado, é impensável que a Rússia colocaria em risco não só os astronautas americanos e de parceiros internacionais, mas também seus próprios cosmonautas. As ações da Rússia são irresponsáveis e perigosas, ameaçando também a Estação Espacial Chinesa e os taikonautas a bordo.

Todas as nações têm a responsabilidade de evitar a criação proposital de destroços espaciais por ASATs e de manter um ambiente espacial seguro e sustentável

Após toda a repercussão internacional, o Ministério da Defesa Russo divulgou uma nota afirmando (segundo as traduções do Russo que encontramos na mídia em inglês) que o teste foi bem sucedido e que os fragmentos “não representam risco para atividades espaciais”. Já a Roscosomos, a agência espacial russa, responsável pela participação russa na Estação Espacial (e, importante ressaltar, independente das forças militares que realizaram o teste com o míssil) declarou, em Russo e inglês, que a órbita dos fragmentos já estava distante da ISS:

Também é bom notar que esse teste russo não é novidade. Só um ano depois de lançar o primeiro satélite, em 1959, os EUA já testavam mísseis para destruir satélites. A União Sovética começou em 1960, a China em 2007, a Índia em 2019. A última vez que os EUA destruíram um satélite parece ter sido em 2008. Até hoje, nenhum dos países que atacou satélites em órbita alvejou satélites de outros, todos os testes foram feitos em seus próprios satélites. Além dessas destruições intencionais, houve algumas acidentais. A mais famosa foi a colisão do velho satélite Kosmos-2251 russo com o operacional Iridium-33, da empresa americana Iridium, em 2009.

Quão perto chegou a ISS dos destroços do Kosmos-1408?

Como a maior parte dos fragmentos é muito pequena para ser rastreada, não é possível responder exatamente. E mesmo para os rastreáveis ainda não há uma resposta, pois vão demorar até que se consiga os ratrear bem o suficiente para determinar suas órbitas. Mas o que pode ser calculado agora é a trajetória que o satélite tinha, como aproximação para a trajetória do centro da nuvem nas horas seguintes. Com a divergência das órbitas, com o passar do tempo, a nuvem vai se espalhando, se tornando um anel.

A trajetória do Kosmos-1408 e as duas áreas de exclusão aérea estabelecidas em 15 de novembro de 2021. A menor é a área de lançamento do míssil, em Plesetsk, e a maior, presumivelmente, é onde esperavam que fragmentos caíssem na superfície.

Nós calculamos as órbitas e a animação abaixo mostra como a ISS e o Kosmos-1408 se moveram nas horas em torno do evento. A melhor estimativa que temos para a hora da destruição do satélite é 02:45 (UTC) do dia 15 (como indicado no tweet acima). Pode-se ver abaixo que a maior aproximação foi uma passagem a apenas 59 km de distância. Mas esta foi às 21:03 do dia 14, antes da destruição do satélite às 02:45 do dia 15. Após as 02:45, as passagens mais próximas foram:

Data/hora (UTC)distância (km)
2021-11-15 T 03:17:28.7622851.9
2021-11-15 T 04:04:20.0122992.8
2021-11-15 T 04:51:03.38291055.6
2021-11-15 T 05:37:54.5571195.4
2021-11-15 T 06:24:38.00951257.4
2021-11-15 T 07:11:29.10031395.8
2021-11-15 T 07:58:12.63851456.9
2021-11-15 T 08:45:03.63701593.8

A questão também pode ser colocada de outra forma: qual velocidade o impacto do míssil teria que dar a um fragmento do satélite para que ele colidisse com a ISS nas horas seguintes? Nós calculamos e a velocidade teria que ser aproximadamente 1.15 km/s, ou cerca de 16% da velocidade orbital do satélite. É bom notar que este impulso tem que estar em uma direção muito específica para levar o fragmento a encontrar a ISS: uma diferença de 1° na direção é suficiente para a distância mínima à ISS se tornar mais de 100 km. Os fragmentos detectados pela LeoLabs tinham velocidades relativas menores, apenas centenas de m/s, mas estes são os maiores fragmentos da colisão (os grandes o suficiente para rastrear), então parece possível que fragmentos menores tenham ganhado velocidade suficiente para encontrar a ISS, embora seja uma chance pequena de um ter a velocidade certa (em direção e magnitude).

É comum a ISS passar perto de outros objetos em órbita?

Esta é outra questão interessante. Nós calculamos as trajetórias de todos os objetos (satélites e lixo espacial) conhecidos do banco de dados público mantido pela Força Espacial americana, para um período de 10 dias, em torno do dia 15 de novembro. Nós coletamos todas as distâncias de máximas aproximações entre estes objetos e a ISS e os resultados estão mostrados abaixo, indicando que é comum haver objetos passando a alguns quilômetros de distância. Mas é bom notar que objetos com órbita bem conhecida (o caso de todos considerados nessa análise) são um risco muito menor, pois é possível saber com antecedência de um possível impacto e desviar a ISS para o evitar (como já foi feito muitas vezes). A preocupação no caso de destruição de satélites é os fragmentos muito pequenos para rastrear, que devem estar em órbitas próximas às dos fragmentos conhecidos.

Distribuição de distâncias de maior aproximação da ISS, para um período de 10 dias, para os objetos chegando a menos de 200 km de distância.

Saiba mais em

Declaração do administrador da NASA sobre a explosão: https://www.nasa.gov/press-release/nasa-administrator-statement-on-russian-asat-test

Imagens e vídeos dos fragmentos do Kosmos-1408: https://arstechnica.com/science/2021/11/new-images-and-analyses-reveal-extent-of-cosmos-1408-debris-cloud/

Animações das órbitas dos fragmentos e discutindo as conseqüências: https://youtu.be/mvdQcDDUV1o

O momento em que o controle de missão, no Johnson Space Center da NASA (Houston, TX) comunica aos astronautas sobre a necessidade de começar os procedimentos de segurança: https://www.space.com/space-station-crew-russian-space-debris-audio

Resposta do Ministério da Defesa Russo (original, em russo): https://function.mil.ru/news_page/country/more.htm?id=12394066@egNews

Análise feita pela empresa LeoLabs, que é especializada em rastrear lixo espacial e tem seus próprios radares e telescópios: https://leolabs-space.medium.com/analysis-of-the-cosmos-1408-breakup-71b32de5641f

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