Muito se fala da SpaceX e da Blue Origin, mas há muitas outras empresas privadas criando seus próprios foguetes. Este artigo é um de uma série sobre elas.
A Astra foi fundada em 2016 por Chris Kemp e Adam London, em Alameda (próximo a São Francisco, Califórnia), a partir do que era a empresa Ventions, que desenvolvia tecnologia aeroespacial desde 2005. Instalada no local da antiga base aérea naval Alameda, ela tirou proveito de antigas instalações usadas para teste de motores de aviões, que foram adaptadas para testar seus motores de foguete, no que essencialmente é um ambiente urbano, ao contrário do tradicional uso de lugares remotos. A proposta da Astra é bem específica: fazer um pequeno foguete pelo menor custo possível, o que ela espera obter com uma estratégia bem específica:
- Não usar inovações: Ela explicitamente rejeita o uso de materiais compósitos, impressão em 3D, ou reusabilidade dos foguetes, pelo argumento de que técnicas tradicionais de usinagem e montagem e materiais tradicionais e fáceis de obter vão levar ao menor custo e maior rapidez, por ser fácil obter as ferramentas, materiais e pessoal necessários.
- Fabricar em volume: ela tem o objetivo de fazer muitos foguetes, para ter economia de escala (embora não seja muito claro a que escala ela se refere; a Astra está longe de ser a empresa mais transparente e comunicativa).
- Fazer foguetes simples: não considerar reusabilidade ou desenhos de motores complexos para ter mais eficiência. Só o mais rápido e simples possível de construir.
- Testar junto da fábrica, facilitando as iterações no desenho dos motores.
- Fábrica simples, tradicional, sem grandes e luxuosas estruturas.
As iterações de teste dos foguetes da Astra foram chamadas de Rocket 1.0, 2.0 e 3.0, que levou ao 3.1, 3.2, 3.3. É um foguete de 2 estágios a RP-1/LOX (Rocket Propellant 1, uma forma refinada do Jet A, que é uma forma refinada de querosene e oxigênio líquido). O objetivo é carregar até 150 kg para órbita síncrona solar, a um custo de apenas $2.5 M por lançamento. O primeiro estágio usa 5 motores Delphin e o segundo usa um motor Aether. Os lançamentos são feitos do Pacific Spaceport Complex, na ilha Kodiak, no Alaska.
Até o momento, o foguete 3.2 conseguiu entrar em órbita, mas uma falha no segundo estágio fez com que não atingisse a órbita correta. O lançamento do 3.3 em 28 de agosto de 2021, foi um dos mais peculiares já vistos:
Último lançamento do Rocket 3:
Com um dos motores falhando e desligando quase imediatamente, o foguete ficou com sua propulsão assimétrica, o que fez com que ele começasse a tombar logo após sair do chão. Mas o sistema de guiagem foi capaz de perceber e compensar a tempo, inclinando os outros motores, para evitar o tombamento do foguete. O que funcionou, o foguete voltou à vertical. Mas com a assimetria, com foguetes empurrando meio que “de lado” e com a perda de 20% do empuxo (1 de 5 motores não funcionando), o foguete ficou com uma razão empuxo / peso quase igual a 1, ou seja, seus motores praticamente só conseguiam sustentar o seu peso, sem que ele fosse capaz de ganhar altitude, resultando em o foguete sair “de lado”. Com o passar dos segundos, com os motores queimando combustível, o peso diminuiu e então ele começou a conseguir ganhar altitude. Mas com toda a ineficiência de gastar muitos segundos só pairando sem subir, ele não tinha propelentes o suficiente sobrando para chegar a órbita, e por isso falhou, caindo no oceano.
Em 20 de novembro de 2021, um Rocket 3.3 finalmente alcançou a órbita correta, o primeiro sucesso completo da Astra, colocando em órbita uma carga da Força Espacial americana.
A escolha de local de lançamento pode chamar a atenção de alguns: é muito comum ser mencionado que é melhor lançar do equador, para aproveitar a velocidade de rotação da Terra, economizando combustível. No equador, o foguete tem “de graça” 0.47 km/s de velocidade inicial (a velocidade da superfície da Terra), valor que diminui com a latitude, até chegar a 0 nos polos. Na latitude de Kodiak, 57°N, essa velocidade inicial é quase metade, apenas 0.25 km/s. Mas é mais complicado que isso: a velocidade inicial é um vetor, por isso é importante a sua direção. E a posição inicial também é importante: a inclinação de uma órbita atingida com o mínimo de impulso é sempre igual à latitude do local de lançamento. Por isso, o ganho em lançar do equador é muito variável, dependendo da altitude e inclinação da órbita desejada. Para uma órbita geoestacionária, que é equatorial a uma altitude de 36 mil km, lançar do equador é muito vantajoso: não é necessário manobra para mudar a inclinação e a velocidade inicial é 15% da velocidade orbital, enquanto um lançamento de Kodiak exigiria que o último estágio fizesse uma mudança de velocidade de 2.9 km/s ao passar pelo equador (para mudar a inclinação). Por outro lado, é muito comum que satélites de observação da Terra usem órbitas síncronas solares. Estas são órbitas escolhidas para terem período de precessão igual a um ano, de forma que o satélite sempre passa por um local na superfície na mesma hora local, o que permite que ele observe com iluminação mais semelhante possível de um dia para outro (não há como evitar a variação com as estações do ano). E órbitas síncronas sempre são retrógradas, o que significa que a velocidade de rotação da Terra atrapalha o lançamento. Para estas órbitas, quanto maior a latitude do lançamento, melhor. Quando o interesse é apenas colocar um satélite em órbita baixa, sem se importar com a inclinação (o que significa que a órbita será prógrada, de inclinação igual à latitude do lançamento), lançar do equador representa começar com 6% da velocidade orbital, enquanto de Kodiak seria 2% da velocidade orbital, uma diferença não muito grande. Já para atingir a órbita da Estação Espacial Internacional, a diferença entre o equador e Baikonur, Cazaquistão (em 45°N, de onde a Rússia faz a maior parte dos seus lançamentos) é também pequena, mas é melhor lançar de Baikonur do que do equador, devido à inclinação da órbita, de 52° (do equador, a velocidade inicial economiza 1% da velocidade necessária para alcançar órbita, de 45°N, a economia é 3%).
Saiba mais em
Site oficial da Astra: https://astra.com/
Tour da fábrica e explicação da estratégia da Astra: