Em 29 de setembro, uma conferência de imprensa de surpresa foi chamada sem informar antes qual seria o anúncio (com o título vago “New Science, Commercial Study”). Nela, a NASA divulgou que foi assinado um acordo entre a NASA e a SpaceX, sem pagamento, para realizar um estudo sobre a possibilidade de realizar uma missão para estender a vida do Telescópio Espacial Hubble (HST).
Em órbita desde 1990, o HST revolucionou a astronomia, permitindo observações impossíveis de serem feitas mesmo com os maiores telescópios na Terra. Isso se deve a estar livre da atmosfera, que traz 3 problemas: limitar a observação a regiões estreitas do espectro eletromagnético (apenas luz visível e parte do infravermelho), limitar a resolução (por causa da turbulência da atmosfera) e limitar a observação de objetos muito tênues (por causa da luz espalhada pela atmosfera, mesmo em noites muito escuras). Sendo, até hoje, o único grande telescópio espacial de uso geral capaz de observar de luz ultravioleta até o infravermelho próximo, o HST é único, e por isso é o observatório que mais produziu resultados científicos e um dos mais disputados pelos astrônomos. É bom notar que, apesar de ser comum que o JWST (James Webb Space Telescope) seja citado como “sucessor do Hubble”, ou “mais capaz que o Hubble”, isso não é verdade: o JWST observa predominantemente no infravermelho, sendo incapaz de observar na maior parte da luz visível e completamente incapaz de observar em ultravioleta. Por este motivo, é mais correto dizer que eles são complementares. E também por isso há grandes possibilidades agora que os dois operam, podendo observar conjuntamente, como demonstrado no recente impacto da missão DART com o asteroide Dimorphos:
This was also the first time Hubble and @NASAWebb looked at the same target at the same time!
— Hubble (@NASAHubble) September 29, 2022
With both Hubble’s visible-light view of this event and Webb’s infrared view, scientists will learn more about the DART impact and Dimorphos. pic.twitter.com/k3BbOsfFYr
Por que a vida do Hubble é limitada?
Entre 1993 e 2009, o Hubble foi visitado 5 vezes por Ônibus Espaciais para receber manutenção. Além de troca de equipamentos (para versões melhores ou para trocar componentes com defeito), há uma outra grande necessidade de manutenção: levantar a órbita do telescópio. O HST, como qualquer satélite em órbita baixa da Terra, sofre o efeito do arrasto da atmosfera – sim, apesar de estar “no vácuo do espaço”, a atmosfera da Terra não tem um final abrupto, ainda há gas, de baixíssima densidade, na altitude de órbitas baixas. Este arrasto é muito pequeno, mas não é zero: se deixados sem manutenção, satélites nessas órbitas (o que inclui a Estação Espacial Internacional, por exemplo), vão lentamente perdendo altitude e depois de muitos anos chegam a altitudes onde o arrasto é suficiente para provocar sua reentrada súbita na atmosfera. Com a aposentadoria dos Ônibus Espaciais em 2011, o HST está desde 2009 sem receber qualquer tipo de manutenção e portanto sua órbita está apenas caindo desde então. Por isso, sem visitas futuras para lhe dar mais velocidade, aumentando a altitude, eventualmente ele vai cair.
Até quando o Hubble pode durar?
É difícil responder com precisão, pois há uma grande variável: a densidade da alta atmosfera da Terra varia muito com a atividade solar. Períodos de alta atividade causam aumento da temperatura da alta atmosfera, o que diminui a densidade de camadas mais baixas, fazendo com que esta se estenda a altitudes mais elevadas, o que faz o satélite encontrar mais arrasto. As atuais previsões indicam que, sem novos impulsos em sua órbita, o HST pode durar até 2028 a 2040, de acordo com quanta atividade solar ocorrer no período.
O limite da duração da órbita é o mais intransponível: mais impulso necessariamente vai ter que ser dado. Fora este limite, sempre há a possibilidade de que falhas de equipamento provoquem um fim prematuro da vida do telescópio, que, é bom notar, está em órbita há 32 anos e está há 12 anos sem receber qualquer visita de manutenção. Mas, depois de aprender com as falhas que ocorreram no início de sua vida, mudanças foram feitas nos novos equipamentos instalados nas 5 visitas que ocorreram, a mais importante sendo um novo desenho para seus giroscópios (necessários para que ele saiba com alta precisão qual é a sua orientação no espaço) e desde 2009 ele tem operado excepcionalmente bem, em termos de equipamento.
Qual é o plano para estender sua vida?
Desta forma, é inescapável que para funcionar por mais décadas o HST precisa ter sua órbita levantada. Embora não houvesse planos concretos de voltar ao HST, já na última missão de manutenção, em 2009, foi instalado o Soft Capture Mechanism, uma interface mecânica para ajudar que o telescópio fosse capturado por missões futuras, robóticas ou tripuladas, sem depender do complexo CanadArm usado nos Ônibus Espaciais. Já houve muitas propostas, a mais concreta sendo da Sierra Nevada Corporation, empresa privada que está desenvolvendo desde 2004 um “mini ônibus espacial”, para carga e tripulação, o Dream Chaser. Apesar do lento desenvolvimento, em parte por não ter sido uma das duas empresas escolhidas para contratos para levar tripulação à Estação Espacial (que foram a SpaceX e a Boeing), a empresa propôs usar o Dream Chaser, tanto em uma missão tripulada como robótica, para manutenção do Hubble. Desde 2017 não há novas notícias sobre esta proposta ainda estar sendo considerada. Agora, foi anunciado este novo estudo conjunto da NASA com a SpaceX para analisar a possibilidade de usar uma missão com a cápsula Dragon para capturar o HST, dar o impulso e o soltar em uma órbita mais alta. A possibilidade de manutenção do telescópio também será analisada, mas o foco do estudo é levantar a órbita. O estudo é não exclusivo, o que significa que outras empresas interessadas podem entrar nele, inclusive com uso de outros veículos. É esperado que seu resultado seja publicado em 6 meses. A proposta inicial é que a SpaceX, em parceria com o programa Polaris Dawn (um programa de voos orbitais privados contratado para a SpaceX por Jared Isaacman) forneceria o voo da Dragon sem custo à NASA, como demonstração de tecnologia, que poderia ser usada para outras aplicações no futuro.
É bom notar que todos os outros telescópios espaciais até hoje tiveram vidas muito mais curtas e nunca houve nenhum esforço deste nível para os estender. Houve até observatórios funcionais que tiveram sua operação terminada por falta de verbas (algo decidido pelo Congresso e presidente): o GALEX em 2013, e o SOFIA, que acabou de fazer o seu último voo essa semana. Só o HST é valioso o suficiente para levar a este nível de interesse em mantê-lo operando. No começo da década de 2000, o HST levou a uma grande mudança nos planos para os Ônibus Espaciais: Devido à nova regra de segurança implementada depois do desastre do Columbia, em 2003, foi cancelada a que seria a última missão de manutenção do HST, pois na órbita do HST era impossível ao Ônibus Espacial buscar refúgio na Estação Espacial Internacional, caso fosse encontrado algum problema com o Ônibus Espacial. Isso causou uma reação tão forte da comunidade científica internacional que foi elaborado um novo plano para permitir a última visita ao HST: colocar um segundo Ônibus Espacial pronto na plataforma de lançamento, como reserva, para ser lançado imediatamente caso houvesse necessidade de resgatar os astronautas que estariam na missão para o HST. Felizmente não foi necessário usar o Ônibus Espacial de reserva, mas toda a complexidade e custo desta preparação mostram a importância do Hubble para a ciência mundial.
Saiba mais em
Anúncio do estudo (blog)
https://www.nasa.gov/feature/goddard/2022/nasa-spacex-to-study-hubble-telescope-reboost-possibility
Conferência anunciando o estudo
Para uma comparação entre o HST e o JWST, veja nosso artigo sobre o JWST: