Muito se fala da SpaceX e da Blue Origin, mas há muitas outras empresas privadas criando seus próprios foguetes. Algumas delas, usando o que de fato são inovações na área. Este artigo é um de uma série sobre elas.
Today’s launch proved Relativity’s 3D-printed rocket technologies that will enable our next vehicle, Terran R. We successfully made it through Max-Q, the highest stress state on our printed structures. This is the biggest proof point for our novel additive manufacturing approach.… pic.twitter.com/9iaFVwYoqe
— Relativity Space (@relativityspace) March 23, 2023
A Relativity Space, uma das empresas mais novas no setor, foi fundada em 2015 Por Tim Ellis (diretor executivo) e Jordan Noone (diretor técnico), para explorar a possibilidade de uma grande inovação para a indústria: construir um foguete orbital por impressão 3D, não só dos motores, mas também da estrutura e tanques de combustível e oxidante. Para isso, ela concentrou seus esforços em chamar especialistas da área de produção aditiva de metais (“impressão 3D”) para desenvolver as máquinas e os processos para construir uma estrutura tão grande e complexa. Inicialmente com sede em Los Angeles, ela se mudou para Long Beach (Califórnia) em 2020. Como pode ser visto neste vídeo, a Relativity é bastante aberta, disposta a mostrar o que está fazendo concretamente e discutir quais são suas inovações, ao invés de se preocupar com propaganda e culto a um diretor executivo.
O primeiro foguete orbital da Relativity, o Terran 1, ainda está em desenvolvimento. Com 34 m de altura, é um foguete de 2 estágios, usando metano e oxigênio líquidos, com 9 motores Aeon-1 no primeiro estágio e um Aeon-1 no segundo estágio, para levar até 1.5 t para as órbitas mais baixas, ou 900 kg para órbita síncrona solar, a $12M por lançamento. O primeiro lançamento foi em Março de 2023, da base da Força Espacial de Cabo Canaveral, na Flórida e já há contratos para futuros lançamentos também da base de Vandenberg, na Califórnia. Neste primeiro teste, o segundo estágio não teve a ignição completa, fazendo com que ele caísse no oceano. Apesar disso, o teste pode ser considerado um grande sucesso, pelo bom funcionamento do primeiro estágio, incluindo atravessar o período de máxima pressão aerodinâmica (max Q), demonstrando muito bem a viabilidade de um foguete construído por impressão 3D. Lembrando que em toda a história é extremamente raro um foguete novo atingir órbita no primeiro teste e que a ignição de um motor de combustível líquido, principalmente em voo (o que falhou no segundo estágio) é um processo extremamente complexo e difícil de testar sem ser em voo – a ignição do segundo estágio acontece a zero G e no vácuo, o que não dá para simular no chão.
Já que esse é o foco da Relativity, vamos à questão principal: por que e como fazer um foguete por impressão 3D? E, se é algo tão bom, porque não foi feito antes, ou pelo resto da indústria?
Tradicionalmente, foguetes são construídos com milhares de peças separadas, porque cada peça tem que ser feita de componentes simples, como placas planas de metal (possivelmente estampadas em formas um pouco diferentes), ou blocos sólidos cortados por métodos tradicionais de usinagem, ou feitas em moldes. E cada peça tem que ter suas dimensões medidas com cuidado, para ter certeza de que vai se encaixar no resto e montada com cuidado, para evitar que componentes se soltem ou haja vazamentos. Tudo isso exige muito trabalho manual e portanto é muito lento e caro. Ao usar impressão 3D, é possível desenhar peças únicas muito mais complexas que substituem um grande número de componentes separados e ela é produzida com precisão pela impressora, todas as vezes. Segundo os números da Relativity Space, um injetor de combustível tradicional tem cerca de 1000 partes e leva 9 meses para ser construído, enquanto o deles é uma peça única, impressa em 2 semanas e custando 10 vezes menos. O uso de impressão 3D também permite fazer facilmente mudanças no projeto, bastando gerar novos arquivos a serem impressos, ao contrário dos processos tradicionais, em que pode ser necessário fazer novas ferramentas ou moldes e novos procedimentos detalhados de fabricação, montagem, teste e inspeção.
Se há todas as vantagens acima, a próxima pergunta é: por que então isso não é feito por toda a indústria (não só aeroespacial)? O primeiro motivo é a quantidade produzida. Ao contrário de praticamente todos os outros produtos industriais, de eletrodomésticos a carros, que são feitos aos milhares ou milhões de unidades, muito poucos foguetes são construídos. Como qualquer pessoa que tenha usado uma impressora 3D pode observar, elas são muito lentas para produção em massa de milhares ou milhões de unidades. Se um foguete puder ser feito em um ou dois meses por impressão 3D, será extremamente rápido para um foguete. Mas ninguém se interessaria em fazer carros, por exemplo, que levassem um mês para fazer cada unidade. Carros são feitos às dezenas ou centenas por dia. Para produção em massa, é mais rápido e econômico construir máquinas e ferramentas (como moldes e estampas) específicos para cada peça, pois essas poderão fazer milhares de cópias da peça em pouco tempo. Também é desejável para produtos industriais que o desenho seja fixo e muitas cópias iguais sejam feitas. É semelhante ao motivo de livros, revistas e jornais de papel serem impressos com prensas usando placas feitas para cada página, ao invés de esperar impressoras fazerem muitos milhares de cópias de cada página.
Foguetes, por outro lado, são feitos em quantidade tão pequena que não é prático automatizar a produção de milhares de peças iguais. E como são muito experimentais, é desejável poder ajustar o desenho de uma unidade para a próxima. Por isso é interessante a possibilidade de fazer foguetes de forma mais automatizada por impressão 3D. O que leva à próxima questão: então porque o resto da indústria de foguetes não adota impressão 3D como a Relativity? O principal motivo é ser uma tecnologia muito nova, ainda em desenvolvimento e que ainda não produziu sequer um foguete que tenha alcançado órbita. A Relativity teve que gastar muito tempo e recursos desenvolvendo a tecnologia para isso, com cientistas de materiais desenvolvendo as melhores ligas para serem impressas e engenheiros desenvolvendo as maiores impressoras 3D de metal que existem (como a Stargate, que faz os tanques de propelente e a estrutura do foguete). Eles passaram anos experimentando (o que significa gerando montes de peças que não deram certo, “pilhas de metal derretido”, nas palavras de Tim Ellis) até encontrar os materiais e processos que parecem funcionar, com os maiores especialistas da área. Outras empresas, que não adotaram impressão em 3D nessa escala, consideraram que o risco, custo e demora de tentar uma tecnologia experimental que precisa ser desenvolvida eram muito altos, então decidiram usar as técnicas tradicionais, que já sabem como funcionam e sabem prever qual vai ser o resultado. Várias outras empresas estão adotando impressão 3D para fazer as partes mais difíceis dos motores, mas nenhuma ainda na escala da Relativity, que está fazendo toda a estrutura do foguete por impressão. O centro JPL, da NASA, inaugurou há alguns anos um laboratório para produção aditiva de metais (o nome formal para impressão 3D), para usar para componentes complexos de suas sondas. Mas ao contrário das empresas de lançamento, o JPL não tem como objetivo produzir muitas cópias ou comercializar, tudo que faz é específico para cada missão. Possivelmente após a Relativity demonstrar sucesso outras empresas podem decidir tentar, mas ainda vão ter que reproduzir todo o trabalho de desenvolvimento que a Relativity passou os últimos anos fazendo.
O Terran-1 tem 86% por massa feito por impressão 3D, usando uma liga de alumínio proprietária, desenvolvida pela Relativity, para funcionar melhor para fabricação aditiva. O processo permitiu fazer os tanques de combustível e oxidante como uma peça única, que também é a estrutura do foguete, ao invés de juntar e soldar muitos componentes separados. E os motores Aeon-1 também usam de grande parte feita por impressão 3D, incluindo os complexos canais de aquecimento do propelente / refrigeração da tubeira, que são uma peça única, ao invés da construção tradicional que exige fabricar, testar e emendar milhares de componentes, sem que haja vazamentos. A Relativity estima ter diminuído por um fator de 100 o número de peças no Terran-1, comparado a um desenho tradicional. E para reduzir ainda mais o número de componentes, os motores usam autogeração de gás para pressurizar os tanques, usando aquecimento dos propelentes e reinjeção nos tanques para os manter pressurizados, ao invés do tradicional uso de tanques separados de gases inertes (hélio, em geral) tradicionalmente usados. De todos os foguetes já usados com sucesso, só o ônibus espacial e o Titan 34D faziam uso de autopressurização, mas é uma escolha de muitos dos grandes foguetes atualmente em desenvolvimento, incluindo SLS, Starship, New Glenn e ACES.
Para depois que o Terran-1 funcionar, a Relativity Space já planeja uma versão muito maior, o Terran-R, que seria reusável e capaz de carregar 20% mais carga que um Falcon 9, e atualmente está previsto para por volta de 2024.
Veja mais em
Site oficial da Relativity Space: https://www.relativityspace.com/
Vídeo sobre a Relativity Space, do Veritasium (em inglês):
Primeiro lançamento do Terran 1: