Muito se fala da SpaceX e da Blue Origin, mas há muitas outras empresas privadas criando seus próprios foguetes. Algumas delas, usando o que de fato são inovações na área. Este artigo é um de uma série sobre elas.
A Rocket Lab é uma empresa privada que tem desenvolvido foguetes sub-orbitais, orbitais pequenos e, agora, médios. Ela foi fundada em 2006 na Nova Zelândia, por iniciativa do engenheiro Neo-Zelandês Peter Beck, através de investidores principalmente da Nova Zelândia, incluindo um que disponibilizou sua ilha privada (Great Mercury Island) para os primeiros lançamentos.
A Rocket Lab mudou sua sede, em 2013, para o Sul da Califórnia. Inicialmente estabeleceu-se em Huntington Beach, indo depois para Long Beach, o que ajudou a ganhar mais contratos da NASA e do Departamento de Defesa americanos, assim como investidores americanos. Mas os seus lançamentos continuaram sendo feitos da Nova Zelândia, no Complexo de Lançamento 1, de propriedade da Rocket Lab, na península Mahia.
Os primeiros experimentos da Rocket Lab foram com um pequeno foguete suborbital, o Ātea (que significa espaço na língua nativa da Nova Zelândia), em 2009. Rapidamente a empresa usou a experiência adquirida com ele para desenvolver o seu primeiro foguete orbital, o Electron. Até o momento, a Rocket Lab realizou 21 lançamentos do Electron, com 18 sucessos.
O Electron é um foguete de 2 ou 3 estágios. Ambos os estágios principais são movidos pelos motores Rutherford de combustível líquido (RP-1, uma forma refinada do Jet-A, que por sua vez é uma forma refinada de querosene). O opcional 3° estágio usa o pequeno motor Curie, de monopropelente (Perclorato de Amônia – Alumínio, AP Al). Com 18 m de altura, 12.5 t de massa, é capaz de levar cargas de até 300 kg para órbita baixa, ou 200 kg para órbita síncrona solar, a um preço por lançamento de apenas $7.5M.
Apesar de ser comum foguetes orbitais funcionarem com 2 estágios de combustível líquido RP-1, o Electron tem grandes inovações no motor e na construção do veículo:
- Estrutura de materiais compósitos: a maior parte do volume e peso de um foguete é os tanques de combustível e oxidante. Tradicionalmente esses elementos e demais elementos estruturais são feitos de metais como aço, alumínio e titânio. O Electron tem esses elementos feitos de materiais compósitos de carbono, onde fibras são embebidas em epóxi, e tudo é curado em fornos. Os materiais resultantes são mais leves que metais, para suportar as mesmas forças. É por isso que carros de alto desempenho trocaram o alumínio por compósitos, desde a década de 1980 (no caso da Fórmula-1), vários outros esportes adotaram fibra de carbono em veículos e equipamentos e a indústria aeronáutica está lentamente adotando compósitos em partes cada vez maiores de aeronaves mais recentes, como os Boeing 747-8 e 787 e Airbus A-380 e A-350. Uma grande dificuldade que a Rocket Lab teve que superar foi encontrar como fazer a estrutura / tanques (os tangues são a própria estrutura) aguentar, ao mesmo tempo, as temperaturas criogênicas internas (por volta de -180°C) e altas temperaturas externas (até 300°C) do lado de fora, devido ao arrasto e compressão adiabática do ar, e aguentar o contato com oxigênio líquido sem reagir com ele. A Rocket Lab ainda está inovando no processo de construção: tradicionalmente, estruturas compósitas eram feitas com muto trabalho manual, o que, no caso do Electron, levava 400 horas para produzir todos os componentes. Com o uso do robô Rosie (sim, nomeado por causa da série Os Jetsons), a Rocket Labs reduziu a fabricação para 12 horas. O que também diminui muito o custo.
- Motores com bombas elétricas: o Electron é o primeiro foguete a não usar turbinas para as bombas (turbopumps). Todos os foguetes de combustível líquido precisam bombear volumes enormes de combustível e oxidante muito rápido, para serem queimados nos motores. Por ter que lidar com alto volume, altas pressões e potencialmente baixas e altas temperaturas (combustível ou oxidante poder ser armazenados criogenicamente e são aquecidos antes de chegar à câmara de combustão), as turbinas e bombas de motores tradicionalmente eram as partes mais difíceis de serem desenhadas e construídas. O motor Rutherford (homenagem ao físico Neo-Zelandês Ernest Rutherford, um dos pioneiros da física nuclear) usa bombas elétricas, alimentadas por baterias de polímero de lítio (como computadores, celulares e carros elétricos), o que tornou o desenho muito mais simples, robusto e barato. O segundo estágio ainda tem um mecanismo de ejeção das baterias usadas, para diminuir o peso. O uso de motores elétricos é um caso em que a Rocket Lab conseguiu uma inovação que quase todos na área diziam que não seria possível ou o resultado seria pior (algo que não é tão comum de acontecer como muitos acham). Tradicionalmente, se achava que a densidade energética das baterias, muito menor que de propelentes, faria o sistema pesado demais. Mas a Rocket Lab notou que a eficiência energética de turbinas de foguete tradicionalmente é só em torno de 50%, porque a mistura precisa ser longe de estequiométrica, para que o calor não destrua a bomba, e ainda adotou a estratégia de ejetar as baterias usadas, de forma que o peso delas efetivamente é como peso de combustível, vai diminuindo ao longo do vôo. Ela desenvolveu seus próprios motores elétricos e controladores de alta potência, obtendo motores de potência equivalente a 110 cv (semelhante a um carro pequeno), do tamanho de uma lata de refrigerante. Os motores elétricos ainda trouxeram ganhos em eficiência por poder funcionar até esvaziar os tanques de combustível e por poderem controlar com precisão a potência (o que não é possível com turbinas).
- Motores parcialmente fabricados com impressão em 3D: Motores tradicionalmente são feitos com milhares de peças, cada uma usinada e preparada individualmente, para depois serem montadas. Esse é um processo que leva muito tempo para ser feito mantendo o controle de qualidade na fabricação e montagem das peças – e por isso, tem muito custo. Por exemplo, cada uma das juntas por onde passam combustível ou oxidante tem que aguentar alta pressão e variadas temperaturas sem vazamentos. Os motores Rutherford são parcialmente feitos com impressão em 3D, o que permite gerar as complexas formas necessárias precisamente e em poucas peças, precisando de muito menos montagem e testes ao final. O uso do mesmo motor no primeiro estágio (8 deles) e no segundo (1 motor) também ajuda a Rocket Lab a economizar e produzir mais rápido.
- Não é parte do foguete, mas é parte da receita da Rocket Lab para conseguir lançar com freqüência: construiu sua própria base de lançamento, no que é essencialmente um lugar isolado no meio do oceano. Isso é importante para atingir a meta de lançar até uma vez a cada 3 dias: centros de lançamento tradicionais, nos EUA, precisam de muito mais antecedência para marcar um lançamento, porque são muito ocupados e não têm disponibilidade para lançar com tanta freqüência, porque necessitam de interromper muito tráfego aéreo e marítimo em uma grande área. Como exemplo, um lançamento recente do Falcon Heavy, a partir da Flórida, resultou em mais de 500 vôos de linhas aéreas cancelados ou adiados, pelo fechamento do espaço aéreo. Este foi o motivo de a Rocket Lab escolher seu local de lançamento na Nova Zelândia.
Segundo Peter Beck, a prioridade clara da Rocket Lab é permitir construir infraestrutura no espaço, oferecendo aos clientes um lançador confiável e que possa ser lançado com muita freqüência (até um a cada 3 dias, pela licença atual), e todas as decisões de desenho foram para chegar a estes dois objetivos. As novas tecnologias não foram usadas só por serem novas, para ser diferente, mas porque eram possíveis e necessárias. Para um cliente com um satélite pequeno (o mercado que mais tem crescido nos últimos anos), o preço por kg para órbita da Rocket Lab não necessariamente seria menor que a opção tradicional (compartilhar um foguete grande, como um Falcon, com vários outros satélites), mas ao usar o Electron sozinho o cliente poder escolher livremente a data de lançamento e a órbita, o que não é possível em um lançamento compartilhado, e economiza no satélite, que não precisa ter tanto combustível para ajustar sua órbita depois do lançamento. Além disso, pelo uso de bombas elétricas, o Electron seria o foguete com a subida mais suave, o que permite desenhar satélites menos robustos (pois não precisam resistir a tantos esforços durante o lançamento).
Finalmente, o que não é exatamente revolucionário, mas é uma das decisões importantes tomadas pela empresa: minimizar a quantidade de lixo espacial que deixam em órbita. Após o segundo e o terceiro estágios entregarem suas cargas, eles se colocam em uma órbita elíptica que intercepta a atmosfera, para reentrarem e caírem em um lugar previamente escolhido no oceano.
Embora não seja a prioridade (o mais importante para o Electron é confiabilidade e produção rápida), a Rocket Lab está experimentando com a possibilidade de reusar o primeiro estágio. Ela tem um sistema novo de proteção para a reentrada na atmosfera e a descida é feita de pára-quedas, para não ter que carregar toda a massa de combustível e oxidante que seria necessária para usar os motores. Nas tentativas iniciais, o foguete pousa de pára-quedas no oceano, mas há planos de passar a ser “pescado” em vôo por helicóptero, antes de encostar no mar, para tornar o reuso mais fácil (o foguete não enche de água). E parte da receita para maior eficiência e custo baixo da Rocket Lab é uma receita que outras empresas novas, como a SpaceX, também usam: construir todo o foguete em sua própria fábrica, sem terceirizar componentes para outras empresas. É necessário um investimento inicial maior, para obter todos os equipamentos e contratar todo o pessoal necessário para todas as áreas (propulsão, engenharia eletrônica, engenharia elétrica, engenharia mecânica, engenharia de materiais, software, etc.), mas isso evita as ineficiências intrínsecas de terceirizar trabalho, como gastar dinheiro com o lucro de cada empresa contratada e gastar tempo e dinheiro preparando especificações, contratos e se comunicando com as outras empresas.
Em 2021, a Rocket Lab anunciou a construção do Complexo de Lançamento 2, no Mid-Atlantic Spaceport, parte do NASA Wallops Flight Facility (perto da divisa entre Maryland e Virginia), operado pelo Goddard Space Flight Center da NASA. A Rocket Lab tinha a necessidade de um local de lançamento nos EUA, para atender a clientes que não podem ou não querem levar seus satélites para outro país, e o Wallops foi uma boa opção em parte por ser bem menos ocupado que centros mais populares, como Cabo Canaveral e Vandenberg. A Rocket Lab também anunciou que vai se tornar uma sociedade anônima, lançando ações no mercado para obter mais dinheiro, que será usado principalmente para financiar seu próximo foguete, o Neutron, que será bastante maior que o Electron, capaz de levar até 8 t para órbita baixa e certificado para carregar humanos. Ele será reutilizável, pousando em uma plataforma no mar e será lançado do Mid-Atlantic Regional Spaceport. Ainda não foi definido onde será fabricado e é esperado que só esteja pronto a partir de 2024.
Outra característica da empresa, como pode ser notado pela quantidade de vídeos aqui postados, é ser muito aberta, preocupada em se comunicar e mostrar o que está fazendo, de forma concreta e amigável, sem ser obcecada com propagandas fantasiosas. O diretor executivo, Peter Beck, que também é o diretor técnico, tem bastante interesse em explicar o que fazem ao público.
Veja mais em
Site oficial da Rocket Lab: https://www.rocketlabusa.com/
O diretor executivo, Peter Beck, explica rapidamente a nascente indústria de foguetes pequenos e baratos
Tour da fábrica:
Uma longa entrevista com o diretor executivo, Peter Beck, discutindo muito mais detalhes da história da empresa e do funcionamento do foguete.