Atualização (25 de setembro de 2022): Após os 10 meses de viagem, com tudo correndo como planejado, a DART está pronta para o impacto amanhã, 26 de setembro de 2022. A transmissão das imagens feitas pela DART, diretamente, ao vivo, começa às 18:30 (horário de Brasília). O impacto ocorrerá às 20:14 (horário de Brasília)
Atualização (11 de outubro de 2022): Confirmado o desvio! Observações de Terra mediram que o período de Dimorphos foi encurtado em 32±2 min. Agora é 11h23m. As estimativas antes do impacto eram de uma mudança de até dezenas de minutos. A incerteza vem da incerteza sobre a massa de Dimorphos e da eficiência de transferência de momento no impacto. A missão seria considerada um sucesso com uma mudança de 73s. A mudança de período foi medida por telescópios ópticos, detectando os eclipses, e por observações diretas por RADAR.
Foi lançada em 23 de novembro de 2021 a missão DART – Double Asteroid Redirect Test. Ela é a primeira missão na área de Defesa Planetária, o estudo de formas de proteger o planeta de grandes impactos. O objetivo da missão, ao contrário do usual, não é estudar o asteróide alvo (o asteróide duplo 65803 Didymos), mas mudar sua trajetória, para testar este método de redirecionar um asteróide, que poderia vir a ser usado no futuro quando for necessário defender o planeta de um impacto.
Alguns leitores podem se lembrar da Deep Impact – a missão da NASA de 2005, não o filme de 1998 – que mandou um projétil para colidir com um cometa. Seu objetivo era bem diferente: a sonda observava o cometa enquanto acontecia a colisão do projétil, para revelar a composição da superfície e do interior do cometa, através do material ejetado pela colisão. A DART é a primeira vez em que se vai tentar desviar um asteróide.
Qual é o risco de um impacto?
Apesar de conterem inúmeros erros científicos, pode-se dizer que os filmes gêmeos de 1998, Impacto Profundo e Armageddon, trouxeram à consciência popular a idéia de que há um risco de impactos com a Terra e que eventualmente vamos precisar fazer algo se quisermos evitar as graves conseqüências.
Como pode ser notado pela superfície da Lua, coberta de crateras, durante a história do Sistema Solar, houve muitos impactos de objetos grandes. Na Terra, não é óbvio, porque a tectônica de placas, a erosão, o acúmulo de sedimentos e os oceanos apagam e escondem as crateras. Tanto que a cratera do impacto que extinguiu os dinossauros, 65 milhões de anos atrás, só foi encontrada em 1978, por geólogos mapeando a costa da península de Yucatán (México). A cratera não é visível, estando coberta por sedimentos, e foi descoberta mapeando anomalias no campo magnético e gravitacional da Terra. A cratera terrestre mais famosa, Barringer Crater, no estado do Arizona, é tão visível por ser muito recente, com apenas 50 mil anos de idade.
Já o impacto melhor documentado ocorreu em 2013, na cidade de Chelyabinsk, na Rússia. Um asteróide explodiu no impacto com a atmosfera. Embora a explosão tenha sido a 30 km de altitude, a onda de choque do impacto foi suficiente para danificar 7200 construções e ferir 1500 pessoas, predominantemente por vidro de janelas quebradas – um efeito amplificado por as pessoas estarem olhando pelas janelas, depois do clarão da explosão. É interessante comparar os impactos: enquanto o de Chelyabinsk era um asteróide rochoso de aproximadamente 20 m, a cratera Barringer, de 1.8 km de diâmetro, foi formada por um impacto de um asteróide metálico de aproximadamente 50 m de diâmetro, que gerou uma explosão de 10 megatons de TNT, ou 600 vezes a energia da bomba detonada em Hiroshima. Mas ambos foram eventos que só provocaram efeitos locais. O impacto que provocou a última extinção em massa, – o que extinguiu os dinossauros, junto de 75% de todas as espécies na Terra vivas naquela época – foi feito por um asteróide de 10 km diâmetro.
O primeiro passo para saber se há risco de um novo impacto é usar telescópios, de Terra ou no espaço, para procurar todos os asteróides que chegam perto da Terra. Hoje há cerca de 1.1 milhão de asteróides catalogados, mais 3700 cometas. Quando é descoberto um novo asteróide e sua órbita é bem determinada, é possível saber se nas próximas décadas, ou até mais de um século (dependendo da precisão e das características da órbita) há alguma chance de colidir com a Terra. E, de todos os conhecidos, no momento, nenhum deles tem colisão prevista, ao menos por várias décadas. O problema é que não conhecemos todos os asteróides. Quanto menor o tamanho, mais asteróides há e mais difícil é de os detectar, principalmente se eles estiverem em órbitas internas à da Terra (pois estão no céu predominantemente durante o dia, dificultando sua observação). Hoje nós sabemos que não há nenhum asteróide capaz de causar uma extinção global (por volta de 10 km ou maior) em rota de colisão até o próximo século. Mas, para tamanhos em torno de 1 km, capazes de destruir um país inteiro, é estimado que só uns 98% dos asteróides são conhecidos. Então é possível que um dos 2% desconhecidos vá ter um impacto nas próximas décadas. Mas o risco maior está nos menores: embora a destruição que causam seja muito menor, uma área do tamanho de uma cidade, há muitos asteróides na faixa de 100 m de diâmetro que não foram catalogados ainda. Por isso é possível que um seja detectado pouco tempo antes de um impacto – ou nem detectado, como no caso de Chelyabinsk, que era um mais difícil de ser visto antes porque veio da direção do Sol.
Por este motivo, há duas áreas de trabalho completamente essenciais para a defesa planetária:
- Operar mais telescópios para varrer o céu em busca dos asteróides ainda desconhecidos, para que possamos saber com a maior antecedência possível de um impacto. Qualquer que seja a solução para evitar o impacto, anos de trabalho podem ser necessários, então é importante saber do impacto com a maior antecedência possível.
- Estudar formas de evitar um impacto, testando e preparando as tecnologias necessárias, que precisam estar prontas para o dia em que for encontrado um asteróide que vai colidir com a Terra.
Por que é tão difícil evitar um impacto?
Apesar de muitos imaginarem que um impacto é facilmente evitado por um Bruce Willis explodindo o asteróide com uma bomba nuclear ao som de Aerosmith, não é simples assim. Todos os anos, como parte da Conferência de Defesa Planetária da Academia Internacional de Astronáutica, é realizado um exercício: Uma equipe multidisciplinar que inclui cientistas, engenheiros, oficiais de agências de proteção ao público (como a FEMA, dos EUA), jornalistas e outros participa de uma simulação: eles são informados os parâmteros de um asteróide fictício que colidiria com a Terra e recebem a tarefa de trabalhar para procurar soluções que possam nos salvar, simulando o que fariam se fosse uma detecção de verdade. E, até hoje, em todas os exercícios, a conclusão foi de que ainda não estamos preparados o suficiente para resolver o problema.
Os principais obstáculos a serem resolvidos para evitar um impacto são todos derivados do fato de mesmo os menores asteróides de risco, com dezenas de metros, terem massa enorme (muitos milhões de toneladas) e não termos atualmente capacidade para lidar com objetos tão massivos. Simplesmente explodir o asteróide ou cometa, o vaporizando ou arremessando para longe muitos pedaços pequenos, exige muito mais energia do que as maiores bombas nucleares já construídas. E, em um raro ponto correto dos filmes, só colocar uma bomba na superfície, o que já é bastante difícil, ainda não seria suficiente para destruir um corpo grande, pois só ia afetar um lado dele, então ainda seria necessário cavar fundo para colocar a bomba. Por isso, as estratégias consideradas mais razoáveis consistem em empurrar o asteróide, para mudar um pouco a sua órbita, de forma que ele não mais vá colidir com a Terra. Aí, o problema passa a ser como empurrar um objeto de tanta massa. Por isso é importante ter muitos anos de antecedência na detecção: quanto mais tempo de antecedência, menor é o desvio na órbita necessário para evitar colidir com a Terra.
O que é e o que vai fazer a DART?
Aí entra a missão DART: seu objetivo é fazer o primeiro teste de uma forma de desviar um asteróide de sua órbita, o que seria necessário para evitar uma colisão quando uma for prevista no futuro. A proposta da DART é usar a própria energia cinética da nave como forma de empurrar o asteróide: ela vai simplesmente colidir com o alvo.
Para essa missão, foi escolhido o asteróide 65803 Didymos. Este é um alvo interessante por ser um asteróide que passa relativamente perto da Terra, por isso é fácil chegar a ele – embora, seja importante notar, não haja qualquer possibilidade de ele colidir com a Terra pelos próximos séculos -, por ser grande o suficiente para poder testar como desviar um corpo que causaria um impacto de graves conseqüências e por ser um sistema binário. O primário, Didymos (nome tanto do sistema binário, quanto do primário), tem aproximadamente 800 m de diâmetro e é acompanhado de um satélite nomeado Dimorphos, de 160 m. Por ser um sistema binário, ele traz a possibilidade de medir bem o efeito do desvio mesmo sendo usada uma nave muito pequena: ele vai colidir com o satélite e isso vai permitir medir o efeito do desvio na órbita do satélite em torno do asteróide primário, que vai ser um efeito muito mais notável do que o efeito na órbita dos dois em torno do Sol. Ainda assim, o efeito deve ser tão pequeno que vai ser necessário muitas observações de telescópios de Terra e, depois de 5 anos, pela missão Hera, que vai observar de perto o efeito do impacto da DART.
Quem construiu e vai operar a DART?
Coordenada pelo Planetary Defense Coordination Office da NASA, a missão está sendo realizada em colaboração entre o Applied Physics Laboratory da Johns Hopkins University (em Laurel, Maryland) e vários centros da NASA: Jet Propulsion Laboratory (JPL, em Pasadena, Califórnia), Goddard Space Flight Center (GSFC, em Greenbelt, Maryland), Johnson Space Center (JSC, em Houston, Texas), Glenn Research Center (GRC, em Cleveland, Ohio), and Langley Research Center (LaRC, em Hampton, Virginia).
A lista completa de instituições colaborando para essa missão é bem extensa: NASA Goddard Space Flight Center, NASA Johnson Space Center, NASA Langley Research Center, NASA Glenn Research Center, NASA Marshall Space Flight Center, NASA Kennedy Space Center, NASA’s Launch Services Program, Jet Propulsion Laboratory, SpaceX, Aerojet Rocketdyne, Lawrence Livermore National Laboratory, Auburn University, Carnegie Science Las Campanas Observatory, University of Colorado, Las Cumbres Observatory, Lowell Observatory, University of Maryland, New Mexico Tech with Magdalena Ridge Observatory, Northern Arizona University, Planetary Science Institute e a U.S. Naval Academy. Parte do motivo está na peculiaridade dessa missão: os dados mais importantes a serem obtidos não virão da a sonda que vai até lá: o principal objetivo é medir o quanto será alterada a trajetória dos asteróides e isso será determinado usando observações de telescópios em Terra, pois a sonda será destruída no impacto. No futuro, a Agência Espacial Européia vai lançar a missão Hera, prevista para 2024, para fazer observações detalhadas do sistema Didymos e avaliar quais foram os efeitos do impacto da DART.
Além de testar o impacto em si, a missão vai incluir várias outras tecnologias novas, incluindo:
- O sistema automatizado de detecção do alvo, que vai usar as imagens da câmera de alta resolução do DART para ajustar a trajetória e garantir o impacto. O alvo é tão pequeno e tão distante, que só vai ser possível o distinguir do asteróide principal nas imagens feitas na última hora antes do impacto. Então, este sistema de detecção, chamado SMARTNav (Small body Maneuvering Autonomous Real Time Navigation), tem que ser capaz de encontrar o alvo e guiar a nave sozinho. Não há tempo para mandar imagens para a Terra e esperar receber resposta dos engenheiros. Para isso o APL está adaptando tecnologias que desenvolveu para guiagem de mísseis. Há grandes dificuldades adicionais com este sistema, pois um dos requerimentos é que a última manobra aconteça dois minutos antes do impacto (para evitar atrapalhar a coleta de imagens que vão ser mandadas para a Terra antes do impacto), o que significa terminar as manobras a mais de mil km de distância. Além disso, não existem imagens detalhadas de Dimorphos, então não se sabe como será sua aparência e todo o sistema tem que funcionar na primeira tentativa, não há chance de tentar de novo.
- O motor elétrico NEXT-C (NASA Evolutionary Xenon Thruster – Commercial), responsável pelas manobras de correção na trajetória: estes motores, chamados iônicos, têm eficiência muito maior que os motores de foguete químicos tradicionais e estão começando a ser mais adotados para missões planetárias, em versões cada vez maiores – o NEXT-C tem 3 vezes o empuxo do motor iônico usado na missão Dawn da NASA.
- Para suprir toda a demanda de energia do motor, os novos painéis solares enroláveis (ROSA – Roll Out Solar Arrays) são uma nova forma de possibilitar colocar grandes painéis solares em um espaço pequeno para o lançamento: Obter energia suficiente é um dos grandes obstáculos atuais para a construção de maiores motores iônicos e esta tecnologia para painéis solares pode ajudar bastante com isso, permitindo caber mais painéis no mesmo espaço e massa de um painel mais tradicional.
De carona com a DART, vai o pequeno Cubesat LICIACube, construído pela Agência Espacial Italiana (ASI). Este vai se separar da DART e vai fazer as únicas imagens que vamos ter do impacto.
Saiba mais em
Sites oficiais: https://www.nasa.gov/planetarydefense/dart https://dart.jhuapl.edu/
Confirmação do desvio de Dimorphos: https://www.nasa.gov/press-release/nasa-confirms-dart-mission-impact-changed-asteroid-s-motion-in-space
Sobre o risco de impactos na Terra: